Diversidade e inclusão ganham espaço também nas pequenas empresas
Nos últimos dois anos, a diversidade e inclusão vem sendo cada vez mais discutida dentro do mercado de trabalho. Grandes empresas passaram a investir em programas de D&I como diferencial de mercado e responsabilidade social, e, segundo especialistas, esse movimento fez com que o debate acerca da temática também fosse levado para as pequenas e médias empresas.
Segundo o Sebrae, os micro e pequenos negócios representam mais de 90% do total de empresas no Brasil. Os pequenos são responsáveis por 54% dos empregos formais do País. “As pequenas empresas possuem uma capilaridade imensa, pois são elas que estão espalhadas pelo País inteiro, por todas as regiões (interiores e todos os Estados)”, ressalta Ricardo Sales, sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade.
Mesmo com a crise do novo coronavírus, dados divulgados pelo Sebrae apontam que, nos últimos 6 meses, os pequenos negócios geraram 1,1 milhão de novos empregos, enquanto as médias e grandes empresas foram responsáveis pela criação de 385,5 mil novos postos de trabalho.
“Eu acho que tem um impacto civilizatório. Essas empresas estão sobretudo no setor de serviços, se relacionando com a sociedade brasileira como um todo. Então, quando dão um bom exemplo em relação a essa pauta de D&I, elas têm a possibilidade de impactar positivamente pessoas que talvez não fossem sensibilizadas por esse assunto por outros meios”, explica Ricardo.
A implementação de políticas e ações voltadas à diversidade e inclusão geram ganhos tanto para a sociedade quanto para o negócio, aumentando o fluxo de renda de grupos minorizados (que passam a ser incluídos nas empresas) e aumentando o potencial de lucro ao atingir novos públicos.
Bernardo Machado, homens trans, é analista de QA na NeoAssist, empresa que, em 2021, teve 71,4% das contratações fechadas em pessoas pertencentes a grupos minorizados. Foto: Tiago Queiroz/Estadão
“O impacto social aqui está 100% atrelado ao fator econômico, porque grande parte das pessoas que vão consumir, das pessoas que vão fazer a economia girar para o seu negócio, estão dentro dessa camada de pessoas diversas. Muitas vezes, você pode não ter atingido esse mercado porque você não tem [D&I] dentro”, pontua Bielo Pereira, palestrante e consultora em diversidade e inclusão corporativa.
Contudo, algumas dificuldades ainda são colocadas como impeditivos na hora de colocar a diversidade e a inclusão na prática dentro das micro, pequenas e até mesmo médias empresas. Os especialistas destacam que a falta de informação, estrutura enxuta da empresa e o caráter personalista do dono como extensão do negócio são os principais problemas enfrentados.
“Um grande desafio que podemos citar é dinheiro e investimento. Várias dessas empresas estão passando por apertos e dificuldades financeiras e podem pensar que não conseguirão investir em D&I, que o assunto deve ficar em segundo ou terceiro plano. Mas não. Eu ressalto que muitas das ações de diversidade e inclusão têm custo zero, como por exemplo orientar o pessoal da empresa sobre o respeito ao uso de pronomes”, diz Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos, empresa de consultoria de diversidade e inclusão.
D&I na prática dentro das pequenas empresas
“Tudo aquilo que a gente faz numa grande empresa é adaptado na micro, pequena e média. Será que cabe eu falar que vou construir um sistema de governança em diversidade e inclusão? Não sei. Lá na grande, cabe! Na pequena, talvez seja entender quem é que vai liderar o tema, quem é que vai ter esse chapéu e as coisas acontecerem de uma forma mais orgânica”, coloca Ricardo Sales.
Pequenos negócios como NeoAssist, empresa de tecnologia omnichannel de atendimento ao cliente, e LEO Learning, empresa de soluções digitais para treinamento e desenvolvimento corporativo, vêm adotando medidas de D&I com sucesso.
A NeoAssist, fundada em 2001, passou a aplicar censos dentro da empresa para entender quais pontos poderiam ser melhorados com relação à diversidade e inclusão e quais medidas seriam mais assertivas.
“Está dentro do nosso DNA a questão da diversidade, porque sabemos da importância disso como uma ferramenta de ter mais visões diferentes, que reduzem o risco e aumentam a performance da empresa. A liderança acredita muito na diversidade, assim como o nosso time”, diz Anna Moreira, que é CEO da NeoAssist.
Hoje, a empresa conta com 89 funcionários, sendo que 21 deles foram contratados neste ano. Dos novos contratados, 15 estão dentro de recortes de grupos minorizados (mulheres, comunidade LGBTQIA+ e pessoas negras), ou seja, 71,4% das vagas de 2021 foram fechadas em D&I.
De 2019 a 2021, houve um aumento de 14,4% na representatividade de mulheres, que atualmente totalizam 45,4% das pessoas colaboradoras. Além disso, a empresa passou a contar com pessoas trans dentro do quadro de funcionários (3,03% do total) e 22,7% das pessoas da NeoAssist declaram fazer parte da comunidade LGBTQIA+. Quanto à representatividade étnico-racial, ocorreu um aumento de 7,02% na contratação de pessoas negras.
“A temática de diversidade e inclusão foi chegando de forma orgânica e natural, principalmente por meio de ações internas que íamos fazendo - às vezes até sem esse nome e sem esse objetivo final que estava sendo estruturado no mercado. Em 2019, começamos a trabalhar a temática com esse nome e com objetivos estratégicos mais bem desenhados. Em 2020, surgiu o coletivo ‘Mergulhar’, que é nosso comitê de diversidade, que trabalha com projetos mais específicos e estratégicos. Deixou de ser algo que estava só dentro da equipe de gente e gestão para ser um projeto dedicado para esta temática”, explica Verônica Perez, que é a realizadora do comitê de D&I na empresa.
O coletivo é formado por colaboradores voluntários de diferentes áreas, é dividido em quatro frentes e cada uma delas possui um miniprojeto. São elas: a frente de estudos analíticos, que trabalha a questão de métricas e metas; a frente de talentos, que trabalha na atração e retenção de talentos diversos; frente de comunicação, que realiza parcerias externas e a comunicação interna; frente de alta liderança, que cria um projeto de desenvolvimento de pessoas com relação a alta liderança, traçando um plano de carreira para esses funcionários dentro da empresa.
Verônica dá ênfase à importância das parcerias. “Entendemos que para trazer pessoas diversas, precisamos ter parceiros que trabalham diretamente com essa causa, transformando nossa comunicação externa para que as pessoas possam sentir que aqui é um ambiente que se preocupa com essa temática.”
Ainda que seja um trabalho feito por voluntários dentro da empresa, a CEO, Anna Moreira, ressalta que existe um custo - mas que este não é um impeditivo. “Apenas o esforço de atrair pessoas de um recorte específico possui um custo, porque a gente precisa trabalhar para acessar aquele recorte, trabalhar para gerar volume. Esse é um custo que muita gente não levanta, mas é uma coisa que as pequenas empresas podem fazer. Se dedicar para um processo um pouco mais de tempo para buscar determinados recortes, já dentro da estratégia de recrutamento, é uma questão que vai ter um custo marginal (com relação ao tempo da equipe encontrar os talentos), mas que ainda está dentro do custo básico, já que todas as empresas realizam processo de seleção. Um processo relativamente pequeno pode agregar bastante valor sem um custo muito alto”
“Fizemos muitas coisas sem custo, como parcerias com organizações sem fins lucrativos e grupos no LinkedIn e Facebook com cortes de grupos minorizados, então essas podem ser algumas soluções”, lembra Verônica.
Elas contam sobre as dificuldades e aprendizados durante o processo de implementação dos projetos de D&I. “O maior desafio foi com relação ao diagnóstico, sobre como entender como a empresa está neste momento, o que conseguimos fazer. Com o tempo, percebemos que não é do dia para a noite, é uma caminhada longa que tem que ser traçada. Muitas vezes, os resultados não vão aparecer em um mês. Estamos falando de cultura, de comunicação, de construção. É algo de longa duração, mas os resultados também vêm mais robustos e mais fortalecidos”, diz a realizadora do comitê de D&I na empresa.
A CEO da NeoAssist ainda faz ressalvas. “Nem todas as estratégias que nós bolamos dão certo. Mas é importante ter paciência para desenvolver uma política dessa forma, principalmente para ser uma política sustentável. Só implementar a diversidade como uma forma de recrutar não é uma coisa sustentável por si só se a empresa não está preparada. Envolve muita educação do time, treinamento, políticas da empresa, cabeça aberta para revisar questões historicamente já estavam estabelecidos. É super importante que, uma vez que as empresas conseguem recrutar, que as pessoas se sintam bem trabalhando. O recrutamento é apenas uma parte no processo inteiro.”
É nesta mesma linha de pensamento de crescimento e valorização do funcionário além do recrutamento, que a LEO Learning se posiciona. “Quando um funcionário olha para o seu líder e se identifica, enxerga que pode ser como ele, isso automaticamente cria uma visão inspiracional para que a pessoa veja que pode crescer. Temos plano de carreira, promoções internas (cultura do estagiário que vira gerente). O crescimento é um fator fundamental para a retenção desses talentos”, diz Richard Vasconcelos, CEO da empresa.
Richard Vasconcelos, CEO da LEO Learning, empresa de soluções digitais que preza pela valorização da diversidade dos funcionários Foto: LEO Learning/Divulgação
“Às vezes, você tem um analista júnior que é negro… E aí a empresa contrata um líder novo que é branco, para ser seu gestor. Então, fica o questionamento: 'estou há três anos na empresa, por que não fui promovido?' Eu acredito que o crescimento é a melhor forma de retenção”, reafirma Richard.