Uma Odontologia mais humana
Compreender os pacientes como entidades únicas, com comportamentos, desejos, necessidades e dificuldades. Valorizar suas preferências e seu bem- -estar. Com essa abordagem, a Odontologia tem ajudado a superar o medo que muitas pessoas têm do consultório odontológico e tem tornado o atendimento uma experiência agradável. Adepto desse método, Thiago Cruvinel, cirurgião- -dentista e professor associado do departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP, prefere não utilizar o termo “Odontologia Humanizada”, que se popularizou no meio profissional e na internet. Ele prefere adotar o termo “cuidado centrado na pessoa”.
Nesse contexto, o profissional insere o indivíduo no cuidado odontológico, não apenas considerando suas opiniões ou entendendo suas crenças, mas colocando esses pontos como preponderantes para sua atuação. “A minha opinião, o meu conhecimento técnico, não podem ser maiores do que o conhecimento da pessoa sobre si mesma. Chamamos isso de horizontalização do cuidado. O profissional da saúde deixa de aparecer em um patamar superior ao do paciente. No cuidado centrado na pessoa, a atuação ocorre em conjunto. O paciente vai colocar suas condições para continuar o tratamento”, explica o Dr. Cruvinel.
Nem por isso, o cirurgião-dentista deixará de exercer a Odontologia baseada em evidências científicas. Ele vai procurar entender as barreiras que impedem o paciente de escolher um tipo de tratamento, traçar estratégias e propor soluções.
Tratamento personalizado
O cuidado centrado na pessoa surgiu na década de 1960, nos Estados Unidos, então aplicado à medicina. O método somente começou a ser abordado pela Odontologia nos anos 2000 e envolve a tomada compartilhada de decisões, a consideração dos valores das pessoas e a subjetividade em saúde. “No Brasil, são poucos os profissionais que trabalham com o cuidado centrado na pessoa. Muitos odontopediatras fazem um esforço para a humanização, talvez pelo fato de trabalharem com crianças”, comenta. “Uma questão importante é que esse método se foca na saúde, e não na doença. Fazemos a educação significativa e não mais a pró-forma, em que toda sessão falo sobre dentifrício ou sobre escovação. Tenho que entender as necessidades daquela família ou daquela pessoa para que eu faça uma educação que tenha significado para aquele indivíduo.”
Ele frisa que os resultados obtidos pelo cirurgião-dentista são muito limitados quando ele não leva em conta questões como a subjetividade e a humanização. A ideia é desenvolver pacientes empoderados, que compreendam a complexidade da saúde e possam colaborar, inclusive, com a difusão social do conhecimento odontológico, que é atrelado a pessoas leigas. Dentro do cuidado centrado na pessoa, não existe um teto de conhecimento, o qual deve ocorrer de forma longitudinal.
Qual o limite do cirurgião-dentista para não invadir a privacidade do paciente? Dr. Cruvinel lembra que as crenças e valores da pessoa não são colocadas dentro de uma entrevista fechada, mas no âmbito de uma conversa clínica. Essas informações que ajudam na personalização do tratamento são obtidas ao longo do atendimento, não seguem uma formatação. “O profissional vai de acordo com o que a pessoa permite. São conversas naturais que ocorrem dentro do consultório, por meio da confiança”, observa.
Cirurgião-dentista e paciente estabelecem metas, firmam um acordo sobre a viabilidade para alcançá-las e propõem ações em conjunto. Nesse processo, o profissional não espera uma mudança abrupta de comportamento do paciente no que diz respeito à escovação correta ou ao uso frequente do fio dental, por exemplo. A Odontologia considera as limitações de educação ou de alterações de comportamento. “Um dos valores do cuidado centrado na pessoa é não julgar”, destaca.
Entre os benefícios do método, estão a motivação da equipe que assiste o cirurgião-dentista no consultório e a prevenção a processos judiciais contra o profissional. Isso porque as tomadas de decisão e as ações são planejadas em conjunto com o paciente. Melhores resultados geram mais satisfação.
Visão integral do paciente
Mestre em Odontopediatria pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em Odontopediatria pela Universidade de São Paulo (USP), a cirurgiã- -dentista Fernanda de Morais Ferreira explica que esse método da Odontologia personaliza o atendimento e faz com que ele se centre no bem-estar do paciente. “Trata- -se de uma abordagem no sentido de tornar o atendimento menos mecanizado e mais individualizado, com o foco em oferecer uma melhor experiência”, explica.
“A visão corriqueira da Odontologia, em geral, busca visualizar o paciente como um problema a ser resolvido. O cirurgião-dentista aplica os conhecimentos técnicos para oferecer uma melhor solução para a demanda do paciente, mas de forma quase mecânica. Embora seja uma maneira de resolver o problema apresentado, não é a mais eficiente. Por mais competência técnica que o profissional possa empregar nesse processo, o paciente não é visto de maneira integral. Com isso, ele pode não ter todas as suas necessidades atendidas”, afirma a Dra. Fernanda.
Segundo ela, na abordagem tradicional, a agenda lotada do cirurgião-dentista, muitas vezes, inviabiliza um diálogo mais aprofundado e as relações interpessoais não são priorizadas. “Conhecer a história e o cotidiano do paciente pode contribuir tanto para o diagnóstico quanto para um plano de tratamento mais preciso”, diz.
Na busca de suprir essa necessidade, o cuidado centrado na pessoa se propõe a individualizar o atendimento odontológico, respeitando os limites e as dificuldades do paciente. Nesse sentido, o profissional adepto dessa filosofia demonstra interesse genuíno em conhecer as necessidades do paciente e se preocupa em acolhê-lo a cada consulta. Isso cria um vínculo e transforma a consulta em uma experiência agradável.
A prática envolve mudanças de atitude, de comportamento, de valores e de conceitos. Sobretudo, modificações nos processos de comunicação e de interação com o paciente. A Dra. Fernanda defende que o cirurgião-dentista desenvolva o hábito de conversar com o paciente, a fim de conhecê-lo mais profundamente. “É necessário que ele seja empático, gentil e demonstre aconchego e acolhimento às necessidades apresentadas. Também é importante que o profissional tenha tato para fazer perguntas pessoais e se mostre disponível para esclarecer as dúvidas do paciente a qualquer momento ao longo do tratamento”, afirma a especialista. São fundamentais o envolvimento e a capacitação de toda a equipe do consultório odontológico, no sentido de tornar o ambiente acolhedor em todos os níveis de atendimento, a começar pela recepção.
FONTE
CRO-SP
27/09/2022