A saúde privada de interesse público

Mercado Por Conexão Dentista - 13/12/22

Segmento privado é indispensável para a expansão da assistência e deve buscar excelência de gestão

Atualmente, mais da metade (54%) do gasto total com saúde é suportado por empresas e famílias, ou seja, por particulares. Das 245.413 unidades de saúde com serviços médico-hospitalares do país, 181.980 são privadas e apenas 63.433 públicas.

Os planos médicos ultrapassaram os 50 milhões de usuários e os odontológicos, em plena expansão, os 20 milhões. “Os planos odontológicos, junto com a previdência privada, são os benefícios mais procurados pelas empresas atualmente”, revela o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Paulo Sardinha.

Pessoas físicas e jurídicas investiram, no período de 12 meses finalizado em setembro de 2014, R$ 126,6 bilhões em planos de saúde (médicos e odontológicos). É um valor semelhante ao que gastam com todos os outros tipos de seguro somados (carro, casa, empresariais, riscos financeiros, vida, previdência etc.).

Por sua vez, a saúde suplementar remunera melhor os prestadores de serviços. Paga por uma consulta médica, por exemplo, até R$ 70,00, dependendo da operadora, enquanto a tabela do SUS é de R$ 10,00. O total de empregos diretos nesse segmento também apresenta alta contínua e ultrapassou os 70 mil postos de trabalho em 2012.

Integração e sustentabilidade do setor

A robusta participação do setor privado na saúde, defendem os especialistas, não deve ser vista como uma distorção, mas como realidade a ser aprimorada com mais integração com o sistema público. "É fundamental que o nível de coordenação entre os dois, que hoje é muito baixo, aumente", disse Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz, em um seminário da Folha de S.Paulo. "Temos que ver essa perspectiva de interação muito mais como uma oportunidade do que como um problema", completou Dirceu Barbano, ex-diretor da Anvisa.

Em entrevista recente ao O Estado de S. Paulo, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, sintetizou a questão. “Qual o tamanho do sistema de saúde suplementar [privada]? O que importa é que ele tenha um tamanho que seja suficiente para ter um equilíbrio econômico e financeiro. Paga quem pode pagar, e se entrega aquilo que se comprou. E o restante da população usa um serviço público de qualidade.”

Objetivamente, a saúde privada tem a função de desafogar a rede pública para que o SUS preste um atendimento melhor para seus usuários. Trata-se, portanto, de interesse geral, e não apenas dos clientes e empresários (incluídos cirurgiões-dentistas e médicos) do segmento.

Para cumprir esse papel, porém, antes dos pacientes, a saúde privada tem que cuidar para que o sistema seja saudável. E, diferentemente do SUS, tem que alcançar a sustentabilidade com receitas próprias, geradas a partir do princípio empresarial de gastar menos do que arrecada. “Existe uma lógica de mercado. Existe um custo”, diz o ministro da Saúde.

A saúde suplementar alcançou faturamento de R$ 126 bilhões em 2014 e quantia aproximada foi investida por particulares em medicamentos, consultórios e hospitais privados. O orçamento da saúde privada, portanto, está próximo a R$ 250 bilhões, quase o triplo do investimento público previsto para 2015. Sem dúvida, é uma quantia considerável para quem paga, mas nem tanto para quem tem que manter o sistema funcionando.

As despesas das operadoras, por exemplo, em geral, superam 95% da receita. Mais de 80% são empregados no pagamento de procedimentos odontológicos e médicos, e o resto suporta impostos e gastos administrativos. O lucro, normalmente, fica abaixo dos 4%. E nos próximos anos os custos continuarão subindo.

Com o envelhecimento da população e a introdução de novas técnicas, os tratamentos exigem a cada dia mais dinheiro e em proporção superior ao arrecado entre os beneficiários. “Além disso, pelas previsões econômicas de curto prazo, dificilmente haverá crescimento de receita”, acredita o diretor executivo da FenaSaúde, José Cechin.  

Cirurgiões-dentistas e médicos enfrentam as mesmas dificuldades diariamente em seus consultórios, com custos em alta acompanhando a inflação sem que os pacientes, particulares ou dos planos, estejam dispostos a pagar mais pelos serviços, embora fiquem cada dia mais exigentes, como, aliás, é natural pela sua condição de clientes.

É um cenário severo, mas não muito distinto do enfrentado por outros setores. Basta observar um estudo recente da Ernest Young concluindo que “o aumento da produtividade na construção civil é o principal caminho para retomar as margens de lucro, em queda nos últimos anos”. Esse é o padrão da economia e deve servir como exemplo para a saúde privada, que tem que ser administrada como um negócio; com características próprias, de interesse social, mas ainda assim um negócio.

“O profissional de saúde tem dificuldade para encarar sua atividade como um negócio”, diz o diretor da Tomaz Gestão e Marketing e coordenador do MBA em Gestão de Clínicas da Fasam, Plínio Tomaz. O especialista explica que a “vocação clínica, praticada com primor, dedicação, ética e respeito”, não impede a atitude empresarial para “contratar funcionários, treinar e motivar a equipe, fazer um atendimento de excelência, ter administração financeira correta, saber precificar etc.”. “O negócio precisa de gestão”, ensina.

Atualmente, cirurgiões-dentistas e médicos que atuam na rede privada, seja em consultórios próprios ou contratados por unidades particulares, estão inseridos em um ambiente a cada dia mais profissional e competitivo. Obviamente que um mercado de R$ 250 bilhões por ano vai atrair grandes empresas – movimento que deve se acentuar com a recente autorização para o investimento de capital estrangeiro em hospitais – e a disputa entre elas impõe novas práticas em busca de qualidade e preço. É um princípio empresarial que seleciona o mercado, premiando os mais aptos. E que, em teoria, beneficia os consumidores com serviços que tendem a melhorar e ficar mais acessíveis.

Essa seleção pode ser vista claramente entre os planos odontológicos. De acordo com a ANS, de 2011 para 2013 as operadoras mais bem avaliadas no Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS) saltaram de 76% para 92% do total dos beneficiários, enquanto as piores caíram para 3%. As melhores empresas ganham mercado ao mesmo tempo que os clientes recebem mais qualidade, essa é a lógica.

Não há outro caminho senão buscar eficiência, inovação e excelência no atendimento ao cliente. O Sebrae Nacional concorda com essa avaliação e prepara um programa para orientar pequenas e médias empresas nesse ambiente.

“O mercado atrai grandes players que vão atuar para oferecer serviços de qualidade a um preço que uma parcela crescente da população possa pagar. Isso só é possível diminuindo custos por meio de inovação e gestão eficiente. E nessa cadeia produtiva existe uma infinidade de pequenos negócios que precisa se adaptar à realidade”, diz Márcio Bertolini, consultor do Sebrae.

De acordo com o Sebrae, somente no estado de São Paulo, existem cerca de 53 mil empresas constituídas no setor de saúde – aproximadamente 10% são clínicas odontológicas. O segmento emprega 87 mil pessoas.

“É perceptível a profissionalização de todo o segmento, como hospitais, clínicas e laboratórios. Os profissionais de saúde, sobretudo os que administram seus negócios, também têm que se adaptar. Cuidar tanto do aprimoramento técnico como da gestão da empresa. Sem isso, terão dificuldades para permanecer no mercado”, constata Cechin, da FenaSaúde.

O presidente do CRO-PE, Rogério Zimmermann, resume a necessidade. “É necessário compreender a dinâmica do mercado e se tornar a cada dia mais eficiente para que os tratamentos sejam mais acessíveis”. Ou seja, para que mais pessoas tenham condições de frequentar os consultórios.

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