Saúde mental na Odontologia

Mercado Por Conexão Dentista - 14/12/22

O medo de se infectar no consultório odontológico e de levar a covid-19 para casa, além do impacto socioeconômico provocado pela pandemia, expôs os profissionais da Odontologia a transtornos mentais. Em quase dois anos de circulação do Sars-CoV-2 pelo mundo, a profissão passou a ser encarada como de alto risco, estigmatizada pela crise sanitária global. No início da pandemia, quando a doença ainda era um enigma para a ciência, as incertezas, o medo e a insegurança financeira se intensificaram.

Psiquiatra do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e médico assistente do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Leandro Paulino da Costa, conhece como poucos os desafios impostos à prática da Odontologia desde março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia. Filho e irmão de cirurgiões-dentistas, ele recebeu em seu consultório vários profissionais do ramo com transtornos mentais diversos, que iam desde quadros de alterações de humor e ansiedade até mesmo sinais do transtorno de estresse pós-traumático.

No início, na fase mais aguda do isolamento social, as queixas mais comuns eram ansiedade e depressão. “Quando se fala em ansiedade, isso engloba pensamentos ruminativos (repetitivos e negativos), preocupação excessiva, humor irritável e insônia, além de sintomas físicos, tais como: palpitação, tremores e respiração ofegante. Os sintomas depressivos, por sua vez, incluem tristeza, anedonia (perda de prazer em atividades), redução da concentração, alteração do sono, falta de apetite e pensamentos pessimistas sobre o futuro, além de culpa e autorrecriminação”, explica Dr. Leandro.

Com o decorrer da pandemia e o retorno gradual das atividades, houve um aumento, não apenas no temor de se infectar e levar o vírus para casa, como também no medo dos pacientes se infectarem no consultório. Ocorreu uma mudança de perfil nos cirurgiões-dentistas que foram ao consultório psiquiátrico. “Começamos a ver sintomas de transtorno de estresse pós-traumático. O quadro surge depois de uma situação traumática experimentada. Este trauma passa a ser revivido sempre que o indivíduo se expõe ao ambiente em que o fato ocorreu, o que traz sintomas intensos de angústia e ansiedade. Isso leva o profissional ao comportamento de esquiva. Ele começa a evitar realizar atendimentos por medo de aquilo voltar a acontecer”, relata o psiquiatra.

Síndrome de Burnout

Exaustão emocional (falta de energia e de entusiasmo, e esgotamento men - tal associado ao trabalho); despersonalização; e baixa realização no trabalho. Os três pilares caracterizam Síndrome de Burnout. Dr. Leandro lembra que as três condições aumentaram durante a crise sanitária mundial. “É comum o paciente começar com a Síndrome de Burnout e o quadro evoluir para um transtorno mental”, afirma.

Sintomas de ansiedade frequentemente se relacionam à incerteza — no caso do cirurgião-dentista, ela envolve se o consultório ficará aberto ou não, se ficará doente ou não.

O psicólogo e analista do comportamento Dr. Damião Silva explica que a Sín - drome de Burnout é uma resposta ao estresse provocado pela excessiva carga de trabalho e pela dificuldade de administração da rotina. “É como se a pessoa tives - se desligado todas as suas fontes de energia física e psíquica”, compara. Quando o diagnóstico é tardio, a condição se associa à depressão e à ansiedade generalizada. Ao observar os primeiros sintomas — cansaço, alteração de sono e de apetite, de - Imagem meramente ilustrativa/Shutterstock mora para realização de tarefas e desmotivação no trabalho —, é aconselhável que o indivíduo procure ajuda. Dr. Damião observa que a prevenção passa pela mudança no estilo de vida. “Entender e colocar no devido lugar o trabalho, a família e as relações sociais. Também é fundamental a terapia para compreendermos essas questões e evitarmos o desgaste de sofrimento demasiado a médio e a longo prazo”, acrescenta.

De acordo com ele, questões ligadas à saúde mental estão sofrendo impacto bastante significativo no período pandêmico. “As principais queixas da Odontologia dizem respeito à carga horária, muitas vezes excessiva; e ao medo da contaminação pela covid-19. Isso reverberou em aspectos prejudiciais à saúde mental, com o desenvolvimento de sintomas depressivos, de ansiedade e de estresse pós-traumático”, enumera o psicólogo.

Dr. Damião destaca que a perda da qualidade do sono é o primeiro indício de algo a observar em relação à saúde mental.

O doce ócio e a informação

“Valorize o descanso. Não romantize o sofrimento nem a agenda cheia.” O conselho do Dr. Damião Silva, é uma das chaves para a melhoria da saúde mental em meio às dificuldades impostas pela pandemia. “ O ideal é ter tempo para si mesmo e realizar atividades terapêuticas, como dança e esportes, além de ler e praticar o ócio. Entender que o profissional deve e precisa ter tempo livre é fundamental”, diz. O autoconhecimento e a identificação de pontos de fragilidade e suscetíveis à disfuncionalidade também são fatores importantes.

“Uma estratégia para diminuir o risco de desenvolver sintomas ansiosos é tentar controlar as variáveis passíveis de serem controladas. Durante a pandemia da covid-19, trata-se, por exemplo, de seguir à risca os protocolos de biossegurança, espaçar os agendamentos de consultas, restringir a permanência de acompanhantes, se vacinar e procurar um médico em caso de sintomas suspeitos. Essas medidas geram uma sensação de segurança tanto para os profissionais quanto para os pacientes e tornam o ambiente de trabalho mais previsível, o que reduz a ansiedade”, recomenda o psiquiatra Leandro Paulino da Costa.

Medidas gerais — como uma boa noite de sono, a redução do consumo de bebida alcoólica, a realização de atividades físicas dentro de casa ou ao ar livre e o contato (mesmo virtual) com familiares — também são valiosas, já que o isolamento social agrava os sintomas.

É importante conhecer os sintomas relacionados aos transtornos mentais, ter noção de suas consequências e buscar ajuda, como a adesão a sessões semanais de psicoterapia ou o atendimento no psiquiatra.

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